domingo, 7 de setembro de 2008

O bicho papão da favela

Larissa Barreto

Após a polêmica provocada pela comercialização ilegal das cópias de Tropa de Elite, que não havia sequer sido lançado no circuito nacional de cinema, o filme tornou-se um verdadeiro “campeão de audiência”. Roupas, acessórios, brinquedos e adesivos, contendo a imagem da caveira empalada numa espada e duas pistolas que compõem o distintivo do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), caíram nas graças do grande público, além dos versos da canção: “Tropa de Elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você”.

A realidade destoa da ficção. Se no filme esses policiais aparecem como os incorruptíveis e honrosos, na realidade dos guetos, é muito diferente. Esses profissionais transcendem as barreiras do bem e do mal e são conhecidos nas comunidades de baixa renda como o bicho papão da favela. Chegam atirando a esmo, utilizam xingamentos e expressões que propagam o terror - vim roubar sua alma -, pondo em risco a segurança, o bem-estar e acima de tudo, a falta de respeito e humanidade com as pessoas, propagando a morte e a total destruição, daqueles que cruzam seu caminho.

Todas essas práticas são protegidas pelo caveirão. O blindado veículo de guerra é utilizado para as missões especiais da tropa de elite. O principal problema desencadeado por ele é que graças ao bom aparato tecnológico de guerrilha, seus tripulantes têm suas identidades resguardadas, permitindo a estes profissionais que não sejam julgados pelas práticas ilícitas já cometidas e que possam vir a cometer.

O bombardeio, seja ele de violência ou de informação, instiga o pensar sobre a repercussão que isso provoca na sociedade. Em um contexto em que a luta contra a violência; as passeatas e os discursos igualitários e afirmativos são uma constante, o Brasil aplaude o sucesso cinematográfico que expõe a triste realidade de nosso país.

Portanto, essa situação ficcional deve ser deixada de lado em virtude dos problemas éticos, culturais, sociais, raciais e econômicos que o País enfrenta o que me permite dizer que devemos sair do “mundinho” fechado e preso ao poder sedutor que as imagens nos proporcionam e lutar – nesse caso, sem armas – a favor de uma polícia que haja dentro da lei, mais preocupada com a segurança da população, e acima de tudo, respeitando o direito de ir e vir, sem que seja julgado pela sua aparência, local que viva ou pela cor da pele.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Salvador é a última capital do país em doação de medula

Milena Ribeiro

Sem nenhuma unidade de transplante de medula óssea desde março de 2007, a Bahia chega a ter mais de 60 pacientes esperando doação. O Hospital Português, até então o único credenciado pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), teve o convênio cancelado pelo governo estadual e até hoje nenhuma unidade hospitalar pode prestar o serviço, nem pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nem através de plano particular. Dados do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) comprovam a colocação de Salvador como última capital em questões estruturais para realizar esse tipo de procedimento. Qualquer baiano que necessite fazer um transplante de medula óssea terá que viajar para São Paulo, Rio de Janeiro ou Curitiba.

Em Salvador, só se pode contar com os tratamentos pré e pós-transplantes. Três locais disponibilizam esse tipo de acompanhamento na capital, o Hospital Português - apesar de estar com os transplantes suspensos -, o Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) e a Casa de Apoio Lita Anastácio (CALA).

De acordo com o presidente da CALA, Salomão Sibalde, a Secretaria de Saúde resiste em instalar uma unidade devidamente equipada para transplantes de medula óssea e em divulgar campanhas pró-doação. “Em 2003, apresentamos um projeto para dar início às campanhas de cadastramentos de doadores. Seria preciso investir R$ 12 mil. A CALA tinha R$ 10 mil. Bastava a secretaria aprovar e investir os R$ 2 mil restantes, mas não foi firmada a parceria”, lamenta Sibalde.

Transplantado há 10 anos, Sibalde garante que não há dificuldade para cadastrar doadores, como em outros tipos de transplantes. Para ele, o que dificulta o transplante de medula óssea na capital baiana é a falta leitos. “Podemos comprovar isso a partir da campanha que estamos desenvolvendo em empresas e faculdades, em duas semanas de coleta, em apenas duas instituições, cadastramos 1.168 possíveis doadores”, disse Sibalde.

A equipe de reportagem do jornal Folha Salvador entrou em contato com a Secretaria de Saúde duas vezes e foi informada que deveria aguardar retorno. No entanto, até o fechamento da matéria não obtivemos resposta.

Entre em contato com a Casa de Apoio Lita Anastácio (
CALA) e solicite uma visita em sua escola, faculdade, empresa, etc. Contatos pelo telefone : 3243-3634. E-mail: cala@cala.org.br. Endereço: Rua Direita do Santo Antônio, 62, Santo Antônio Além Do Carmo,CEP: 40.301-280 - Centro Histórico - Salvador – Bahia – Brasil

* Publicado no jornal
Folha Salvador na edição de julho/2008.

domingo, 24 de agosto de 2008

A batalha e a trajetória dos movimentos estudantis

Núbia Passos
"Se o presente é de luta, o futuro nos pertence" é com a célebre frase de Che Guevara, grande símbolo e referência da juventude, que Vladimir Meira, vice-presidente regional da UNE na Bahia e diretor de Universidades Públicas da UEB (União dos Estudantes da Bahia) define a importância e a dimensão dos movimentos estudantis nos rumos da história do Brasil.

Muitas batalhas marcaram a trajetória dos movimentos, em 1964, com o Golpe Militar quando estudantes brasileiros viveram momentos de dor e esperança. Enquanto isso, na França, jovens das Universidades de Nanterre e Sorbonne iniciaram sucessivos protestos, que movimentaram todo continente europeu e as Américas. As mudanças ocorridas na sociedade faziam com que estudantes reivindicassem por menos rigidez na educação, eles julgavam e contestavam valores que acreditavam estar em divergência com os avanços da época. Esse período de revoltas ficou conhecido como “Maio de 68”.

Novas lutas: Com a mudança e os avanços da sociedade, as “bandeiras” da juventude brasileira mudaram um pouco de foco, não é mais só vontade de derrotar a ditadura ou derrubar o presidente que a mobiliza, mas problemas como o racismo, inclusão de políticas públicas de reparação aos afrodescendentes, a homofobia e destruição do meio-ambiente também fazem parte das preocupações dos jovens hoje. “A Bienal da UNE é um exemplo disso, pois é o maior evento da juventude da América Latina e traz a luta contra o machismo, homofobia e contra todas as formas de preconceito. Essas são algumas lutas específicas que diversificam os focos de mobilização dos estudantes brasileiros”, afirma Vladimir. Na última Jornada de Lutas em Defesa da Educação, promovida pela UNE, que aconteceu em março deste ano, aproximadamente 100 mil estudantes de todo país foram as ruas reivindicar maiores investimentos na educação, assistência estudantil e qualidade no ensino. “Só aqui em Salvador, fomos para as ruas com mais 8 mil estudantes, neste episódio”, completa. Um dos últimos acontecimentos que marcou os movimentos estudantis de Salvador foi a “Revolta do Buzú”, em 2003, quando os estudantes pararam a cidade soteropolitana contra o aumento da tarifa e o aperfeiçoamento da meia-passagem.

O vice-presidente regional da UNE acredita que com o neoliberalismo imposto ao país trouxe sérias conseqüências, desde o individualismo mais exacerbado ao pragmatismo, que tomou conta da juventude, principalmente da universitária. “Aquele sentimento de entrar na faculdade apenas para estar mais ‘apto’ a entrar no mercado de trabalho ganha muito mais força a partir de então. Isso criou certa dispersão nas mobilizações, de fato. E a maioria dos estudantes hoje, quando não são "provocados", preferem seguir um caminho ‘reto’, individual, de buscar o mais rápido possível seu diploma para entrar o mais rápido possível no mercado de trabalho. Chego a dizer que lutamos contra esse tipo de sentimento, mesmo sabendo que, na maioria das vezes, comporta-se dessa forma por necessidade”, afirma.

Vladimir Meira, ínsita os estudantes baianos a procurarem conhecer as representações estudantis, para saberem quais são suas lutas, a fim de que se juntem, por identificação ideológica, ou então para tentarem mudar a forma como elas estão sendo organizadas, de modo que assim elas possam representar seus reais anseios e necessidades. “O movimento estudantil (a UNE) é e sempre foi muito amplo, diverso; um ambiente saudável, com muitas disputas também, mas com muita democracia, que permite a todos expressarem e defenderem aquilo que acreditam. E essa disputa interna é importante para que a entidade sempre se renove”, afirma. “Diria também que o estudante universitário deve compreender o ambiente que ele se encontra. Ainda é parcela pequena da sociedade que tem acesso à universidade, principalmente a pública. E é preciso compreender que a universidade precisa estar conectada com os interesses da sociedade, precisa refletir os anseios da população, visando soluções aos problemas enfrentados pelo país. E o movimento estudantil é uma importante escola nesse sentido, ele coloca mais responsabilidade no estudante para com a educação e à universidade. Ele valoriza aquele espaço e tudo que ele deve absorver dali em termos de aprendizado. E ele cultiva e passa a ter contato com outros valores também, valores que vão muito além do individualismo e pragmatismo que nosso sistema "prega"; busca saídas coletivas para os problemas e passar a agir sempre em coletividade. Então diria isso, pois da universidade saem os futuros formadores de opinião da sociedade, e é preciso sempre se referenciar de forma positiva perante as pessoas”, conclui.

Hoje em Salvador existem alguns movimentos que tem legitimidade para estar atuando em defesa dos direitos, e também deveres dos estudantes, como a União dos Estudantes da Bahia (UEB), que atua em todo estado, a Associação Baiana Estudantil Secundarista (ABES), que é a representação estadual dos estudantes secundaristas que tem forte atuação aqui na capital, e as entidades dos cursos, D.A.`s e C.A.`s, das faculdades, DCE`s e alguns Grêmios das escolas secundaristas.


* Matéria publicada no Caderno do dia do estudante do jornal Folha Dirigida

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Essa tal "vida bandida"

Resumo: A leitura dos livros Cabeça de Porco, Elite da Tropa e Falcão - Meninos do Tráfico nos fez perceber a realidade brasileira através de uma outra ótica, que até então só era conhecida a partir da mediação superficial e estigmatizada levada a cabo pelos meios de comunicação de massa (MCM). Este ensaio consiste em problematizar a questão da (ir)responsabilidade e/ou a contribuição dos veículos midiáticos para a criação de estereótipos, fortalecimento da reprodução de preconceitos e da invisibilidade de uma parcela da sociedade. Assim, nos baseamos na observação diária dos produtos da mídia e nas referências que as pessoas fazem através dos discursos construídos e disseminados em relação aos indivíduos oriundos de classes menos favorecidas.

Publicações na internet
Intercom:
Mídia Independente:
Observatório da imprensa:
Ah, também fomos citadas no seguinte link da Revista Ciência e Saúde Coletiva:

Sorte e sucesso à todos!

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Entrevista MV Bill



A Tríade - A sigla “MV” significa mensageiro da verdade, qual a importância da mensagem que você propaga através da música?
MV Bill - Pô, é uma pergunta difícil porque é de auto-avaliação e é muito difícil se auto avaliar, mas a medida que eu vou tendo contato com a experiência, com o que minha obra, seja ela literária, audiovisual ou musical vai causando nas pessoas, eu passo a ter mais uma noção de alcance, porque a gente tem um histórico também.

A Tríade - E qual avaliação você faz em relação a visibilidade do que você procura passar em suas mensagens?
MV Bill - Tipo, é como se a cada contato eu fosse tendo uma noção do que eu sou, porque a gente ainda tem uma noção de mídia, se não está na mídia, a gente não está alcançando nossos objetivos, mas ou menos assim. Enquanto eu não tenho um contato com as coisas que acontecem atualmente, que é sem dúvidas ganhar visibilidade, né? Isso é claro quando eu chego nos lugares, me faz ter uma autocrítica, porque eu não estou mas falando só para o meu grupo de pessoas, eu chego em outros lugares e passo minha mensagem para um um número maior de pessoas.

A Tríade - O que você acha da produção “Tropa de Elite” em pleno caos na segurança pública e guerras nas favelas brasileiras?
MV Bill - Eu acho que o filme (Tropa de Elite) é verdadeiro, o livro (Elite da Tropa) é muito mais pesado que o filme e a realidade é muito mais pesada que os dois. O erro para mim está em dizer que se trata de uma ficção porque não é, ali é a mais pura realidade, mas é um filme provocador porque mexe com os sentimentos de todos.

A Tríade - Qual a sua opinião em relação à opinião da sociedade sobre a atuação do BOPE? Às pessoas cultuarem os personagens e enxergá-los como heróis?
MV Bill - Quando o povo pede um Capitão Nascimento é porque eles sentem aquilo de verdade. O real sentimento que eles (BOPE) tem pela gente da favela é o extermínio total, porque já é tratado dessa forma, a favela é banalizada . Agora, na minha opinião, se a polícia que a gente precisa para o Brasil for o Capitão Nascimento, nosso país já acabou. A sociedade descansa o peso de sua consciência nas costas do Capitão Nascimento porque é mais fácil dizer que ele é a figura, personagem, mas eles (BOPE) só querem estar reproduzindo a vontade de alguém, é isso que o BOPE transmite.

Entrevista realizada no evento sobre Direitos Humanos, 09/12/2007, Farol da Barra - Salvador/Bahia